quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Trail de Lousa - partida falsa!

Eram 9:06 e estava reclinado no carro a escutar uma musiquinha suave, consultei o telemóvel o site oficial da prova, confirmei que a hora da partida era às 10h, abri a porta pus o corpo ao frio e espreguicei-me longamente. Perguntei a uma rapariga onde era a partida, sorrimos um para o outro e… Passam dois rapazes a correr que me perguntam se estou para o trail longo e digo que sim “É QUE A PARTIDA FOI ALTERADA PARA AS 9 HORAS!” 
F……………………………………………………………ç 

(mentalmente claro) 

Não acredito! Ainda agora vi o site… está lá escarrapachado: 10h! Já o ano passado fizeram esta brincadeira, não avisam, ou melhor, avisaram no facebook, não sabem organizar corridas. Corremos para a partida, eu deixei-os ir à frente porque tinha de fazer uma coisa muito rápida na WC dos homens, que se tornou mais lenta porque com a temperatura que estava foi como encontrar uma agulha num palheiro… 

Chego à partida num ambiente de fim de festa. Desilusão. No chão, os meus olhos encontram os despojos do entusiasmo de cada partida. Olhei para o portal nu, para o Páteo vazio à minha volta e o marcador do tempo a dar 0 horas, 22 minutos e 34…35 segundos de vida perdida. Lousa é uma aldeia numa cova de um vale, e a partida em si, é uma cova dentro de uma cova. 

Levanto a cabeça, vejo a aldeia que se estende pela encosta, acima dela sinto o peso todo da montanha a colapsar em cima dos meus ombros, a esmagar-me, subterrar-me num medo de me enfiar serra acima completamente sozinho, por trilhos que não conheço a perder-me do percurso. 

As pessoas perguntam-me – Então? Agora aproveita e vai ao Trail Curto! – O meu ser racional repete-me a pergunta tenta dar a volta por cima, é o que faz sentido ir ao curto! Faz-se um treino mais em conta e ainda dá para ir almoçar. Espero pelo curto? Vou ao longo atrasado? A razão que me diz para ir à corrida de 13 km e o sonho de fazer os 23 kms degladiam-se dentro de mim, estou dividido. A tentar encontrar as razões que me façam pender ou perder definitivamente para um lado ou outro. 

Decide-te!!! Digo para mim próprio irritado. 

Respiro fundo e tomo consciência de que a decisão já estava tomada dentro de mim, simplesmente tentava por todos os meios arranjar razões que o justificassem, razões que nunca encontraria. Passavam 25 minutos da partida e sabia não ter que dar explicações a ninguém. 

Troco uma mirada prolongada com um GNR que me olha com pena, aceito a derrota e entrego-me à vida. Cerro os dentes, levanto a cabeça e… Por onde é que é o percurso? É subir e voltar ali à esquerda. Ligo o relógio e começo a correr só contra a montanha. Serpenteio a correr por entre o casario saloio até sair do perímetro urbano e entrar num eucaliptal, que não é floresta. 
O percurso rapidamente se torna técnico e a corrida vai bailando à vez com a passada. Uma estrada separa-me da subida mais difícil do percurso, e a GNR mais uma vez, evita que eu me perca. Subo, e agora sim numa floresta de pinheiros e fetos, por um trilho individual, onde um atleta de perfil de elite vem a coxear devagar montanha abaixo – Então? Lesão antiga… boa recuperação. 

Puxada longa, passada curta. A montanha deixa para trás as árvores e dá lugar ao mato de arbustos de feitio tortuoso e teimoso, daqueles que aguentam ventos e tempestades, que se protegem uns aos outros e que magoam aqueles que deles se aproximam. 
Lá em cima, o Fotografo (Paulo Sezílio) era o guardião do cabeço, testemunha solitária de um sofrimento alheio. Ainda antes do topo, exige-se capacidades de escalada ao corredor.

 Para receber este moderno guerreiro de causas perdidas, moinhos de vento a moer electricidade para a rede nacional. Cá em cima, começo a sentir-me mais confiante, mais à vontade, mesmo por meio de espinhos e lama, a subir com as mãos nos joelhos, sinto-me mais confiante, mais à vontade. 

É curioso como os medos dos caminhos que se apresentam perante nós, são sempre maiores do que as dificuldades que o trilho realmente nos traz, às vezes o futuro faz vertigens, e os medos que nos aprisionam das escolhas que temos de fazer se desvanecem quando tomamos uma decisão e vamos em frente. Temos mais medo de nós do que do caminho.
 Começo a descer em estradão, passo a autoestrada por um viaduto e uma voluntária solitária saúda-me entusiasticamente. Está há tanto tempo sozinha que, alguma agitação naquele quadro pintado a vento, é uma alegria. 

Curiosamente, começo a pensar que será assim que alguém se sente quando está em 1º lugar, sem ninguém à frente a espantar as pessoas dos abastecimentos. 

Um aviso lanca-me numa descida muito técnica para uma zona de lama, encontro os primeiros corredores. Sobe-me a confiança… Subo em direcção a uma crista da serra e faço a cumeada de pedra toda a correr, desço num misto de corrida e patinagem na lama. Chego a um lamaçal, ou melhor um chafurdal, depois de 700 pessoas lá passarem. Ainda bem que já passaram porque dá para reconhecer os trilhos que alguns deles tomaram pelo lado para evitar. 

Ultrapasso vários corredores, entre subidas e descidas, entre passagens por cumes e moinhos, mais tarde ou mais cedo acabamos por encontrar alguém que vai mais ou menos à mesma velocidade.

Aconteceu-me o mesmo que já aconteceu muitas vezes, em silêncio começamos por nos ultrapassar mutuamente à vez, passo eu mas não descolo, passa ele e eu não fico muito para trás, como um acordeão, até que alguém troca uma palavra que quebre o gelo e facilmente passamos a correr juntos, uma transformação de competidores em colaboradores. Nos últimos quilómetros, como vem sendo hábito quando não estou preparado e há muito tempo que não faz ia estas distancias em trail, sinto uma quebra que me dificulta correr normalmente.

Todavia, a companhia e a visão da aldeia de Lousa animam-me para uma chegada à meta, uma chegada paradoxalmente oposta à partida, uma chegada em festa e com comida.